4.3.1.Conhecer as instâncias de participação que têm pautas relacionadas à infância, adolescência e juventude e aquelas que possuem crianças, adolescentes e jovens na sua composição

Para debater o sentido e as práticas de participação existentes devemos partir de uma perspectiva histórica e compreender o desenvolvimento das instituições democráticas no sistema político brasileiro.  O campo conceitual é muito amplo e complexo, ultrapassando os limites deste diagnóstico. Por isso, buscaremos apresentar a importância das instâncias de participação para o Bairro-escola, bem como a nossa abordagem e entendimento sobre o tema.

Atualmente é um consenso a importância da participação das pessoas e organizações nas diversas esferas da sociedade, visto que o termo participação tem sido amplamente utilizado pelos mais variados setores sociais, organizações públicas, privadas e, também, em programas de governo de praticamente todos os partidos políticos:

“Se podemos considerar esse fato um avanço, dada a tradição autoritária presente na história brasileira, por outro lado, ao avaliarmos os discursos e as práticas efetivas, podemos perceber que, apesar da apropriação dos termos, os significados e suas implicações políticas e culturais estão amplamente em disputa” (Teixeira, 2005: 7).

Segundo Ana Claudia Teixeira, estudiosa no assunto, a difusão dos termos “participação” e “democracia” pode ser considerada uma vitória de um setor da sociedade civil brasileira, que lutou para que houvesse a inclusão de segmentos sociais tradicionalmente marginalizados das decisões sociais e políticas:

“Como resultado de todo esse processo, o direito à participação foi elevado a princípio constitucional em 1988. Inúmeras experiências participativas foram realizadas em gestões governamentais, não apenas aquelas determinadas pela Constituição Federal e por outras leis de âmbito da União, como também as realizadas de forma criativa, por meio de iniciativas de governos e/ou da sociedade civil local, consolidando o que ficaria conhecido como “democracia participativa”. Passados mais de 15 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, a vivência de várias experiências participativas – muitas vezes realizadas de forma desarticulada e pouco cumulativa – nos conduziu ao desafio de aprofundar a reflexão sobre o que conquistamos até agora com a participação, sobre a ‘arquitetura’ da participação no Brasil hoje e os desafios para os próximos anos, visando aprofundar a experiência democrática brasileira. Durante o ano de 2003, algumas iniciativas de redes e ONGs foram se consolidando, todas elas apontando a necessidade de um debate aprofundado e qualificado sobre quais os sentidos da participação e da democracia que buscamos construir e consolidar na atualidade” (Teixeira, 2005: 7).

Um desafio importante a ser superado nos dias de hoje é a fragmentação das agendas e das políticas provocada pela multiplicidade dos espaços de participação, como por exemplo, a existência de um grande número de conselhos na esfera municipal. Uma importante questão posta por Teixeira persiste: “a arquitetura atual destas novas institucionalidades criadas para a participação fragmenta nossa visão do conjunto e nossa possibilidade de intervenção coletiva?”(Idem).

E portanto devemos identificar qual é a sua real representatividade, alcance intersetorial, capacidade de decisão e impacto na definição das linhas dos governos:

“A mudança vem desde que a sociedade seja capaz de se mobilizar e garantir que nesses espaços passem as decisões sobre as políticas públicas, passem as decisões sobre os recursos públicos, sobre as estratégias que vão orientar a ação do Estado” (Caccia-Bava, 2005:36).

Por isso, consideramos a existência dessas institucionalidades como espaços importantes, que devem ser cada vez mais fortalecidos e apropriados pelos cidadãos para serem efetivos canais de interlocução, mobilização e formulação de políticas públicas intersetorias.   Este mecanismo de governança permite que as políticas sejam cada vez mais integradas, territorializadas a partir das necessidades reais da população e intersetoriais promovendo o envolvimento de diversos atores e segmentos da sociedade.

Complementares a estas institucionalidades, existem outros espaços e instâncias de participação com diversos formatos e estruturas inovadoras que também são objeto de análise desta pesquisa, como por exemplo, os fóruns públicos, redes, movimentos, grupos articuladores, coletivos.   Nestas instâncias, os agentes buscam juntos compreender a realidade e propor mudanças transformando os territórios em espaços mais justos, democráticos e solidários.  Podemos dizer que um espaço desta natureza é efetivo quando junta esforços coletivos e abre uma arena pública de debate sobre prioridades e formas de atuação em um determinado território ou contexto social.

É o que acontece, por exemplo, no Bairro-escola. Nos processos participativos pessoas e organizações são mobilizadas, elaboram mapeamentos e diagnósticos,   integram agendas, planos de trabalhos e articulam a formulação de um  Plano Educativo Local (PEL) que têm como objetivo primordial promover o desenvolvimento de um território educativo.

Alguns estudiosos apontam para a importância destes processos e que a participação cidadã se realiza no plano local, onde os indivíduos são capazes de participar e intervir de forma efetiva na realidade em que estão imersos:

“É neste plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada localidade é diferenciada, segundo o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a cultura herdada, as atividades predominantes na região, a disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetivamente, é que sabem realmente quais são as necessidades mais prementes, os principais recursos subutilizados e assim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas” (Dowbor, 2003: 4).

Como diz Dowbor, é no plano local que se encontram as singularidades, as potências e as necessidades que devem orientar as iniciativas. Por isso, a relevância deste diagnóstico em compreender quais são os processos de participação em curso dos territórios, já que acreditamos que vivemos em uma época de superação do imobilismo, abrindo caminho para novas mobilizações.

Neste eixo, buscamos conhecer as instâncias de participação que têm pautas relacionadas à infância, adolescência e juventude e aquelas que possuem crianças, adolescentes e jovens na sua composição. Ao escolhermos falar das instâncias existentes abrimos o campo de análise para conhecer as múltiplas formas de participação, considerá-las como legítimas e porta-vozes dos desejos sociais e das mudanças em curso em um determinado território. Os que participam destas instâncias podem ser os representantes das crianças, adolescente e jovens, lideranças comunitárias e, organizações como, escolas, redes, associações comunitárias, movimentos, ONGs, dentre outros. Interessa aqui, em primeiro lugar, identificar quem são esses agentes locais, que certamente devem variar de um território para outro, e na sequencia, os processos participativos em que estão envolvidos.

Referimo-nos às “instâncias de participação” como o lócus prioritário da participação no território, esfera das relações políticas pela busca do bem-comum. Estão sendo considerados aqui os espaços institucionais (previstos pela legislação do Estado), de caráter comunitário ou de mobilização social. O que importa é que sejam reconhecidos pelos agentes locais e pela comunidade como espaços abertos ao debate, à participação e à realização de ações conjuntas para a melhoria da realidade local.

Para a filósofa Hannah Arendt a política ocidental, cuja gênese encontra-se nos gregos é designada com o conceito de “vida ativa”, que se caracteriza ao constituir-se em atividades vitais como forma de realização de uma vida qualificada. Vida qualificada que se constitui no encontro e no confronto das pluralidades através do discurso, do debate livre em praça pública, espaço em que os cidadãos criavam e recriavam o mundo no qual coabitavam (Arendt, 1998:48).

É importante destacar que para esta pesquisa interessam as instâncias de participação (fóruns, conselhos, colegiados, comitês, associações, movimentos, redes) aquelas que estejam voltadas para as crianças e jovens, ou seja, que esta temática esteja presente em sua agenda, no objetivo institucional e resultados a serem alcançados.

Outro aspecto fundamental no Bairro-escola é que as crianças, adolescentes e jovens sejam também protagonistas nas instâncias de participação e que portanto, possam desenvolver a sua autonomia, sendo os porta-vozes de seus desejos e visão de mundo.

Em função deste entendimento, e seguindo a ordem de perguntas estabelecidas na metodologia (cf. Item anterior) para compreender este elemento-chave a pesquisa propõe:

I. Identificar e qualificar as instâncias de participação voltadas a crianças e jovens:

– Tipo de instância de participação (conselho, colegiado, fórum, comitês, associações, movimentos, redes, etc.)

– Objeto da instância de participação (políticas de assistência social, representação estudantil, participação, etc.)

– Tempo de existência da instância de participação

– Áreas representadas na instância de participação (educação, saúde, assistência social, cultura, segurança, esporte, etc.).

– Território de abrangência da instância de participação (bairro, escola, nacional, etc.).

A metodologia adotada é uma pesquisa documental (referências bibliográficas e internet) com um levantamento de instâncias de participação no território, e pesquisa qualitativa (entrevistas).

II. Identificar a qualidade da participação nas instâncias de participação voltadas a crianças e jovens (potência e autonomia participação)

– Local dos encontros

– Frequência dos encontros

– Número de participantes

– Distribuição das falas (se existe alguém que centraliza, quem fala mais, etc.)

Procurando conhecer a qualidade e envolvimento nas instâncias de participação, a metodologia adotada é a pesquisa qualitativa (entrevistas e observação participante), análises de atas.

III. Identificar a integração interdisciplinar e intersertorial das instâncias de participação voltadas a crianças e jovens.

– Composição interdisciplinar (área) e intersetorial (1º, 2º e 3º setores), ou seja, número de organizações de cada área e de cada setor participante.

Por meio de análises de atas, pesquisa qualitativa (entrevistas e observação participante) conhecer a representatividade dos distintos setores e áreas na instância de participação.

IV. Identificar as estratégias de publicização de pautas e atas das instâncias de participação voltadas a crianças e jovens.

Por meio de análises de atas, pesquisa qualitativa (entrevistas e observação participante) a etapa seguinte do diagnóstico seria conhecer as formas de comunicação da instância(impressa, virtual, rádio, TV) a partir de:

– Números de: produtos de comunicação realizados pela instância; reprodução destes; acessos (internet), distribuição (papel), audiência (rádio e TV).

Em relação à metodologia descrita acima, da pesquisa qualitativa realizamos as entrevistas com uma liderança comunitária de cada território, o levantamento documental (pela internet) e as entrevistas com os representantes e/ou responsáveis das instâncias de participação. No entanto, não foi possível realizar a observação participante com as instâncias listadas. Dessa forma, obtivemos os resultados apenas do item 1.1 do quadro orientador (Identificar e qualificar as instâncias de participação voltadas a crianças e jovens). Percebemos que para a realização dos itens 1.2, 1.3, 1.4 (conferir em Anexos o quadro orientador) é necessário prever um tempo maior de pesquisa para o estabelecimento de um vínculo e contato maios próximo com o representante/responsável da instância, bem como para a realização da observação participante.

Acresce-se ao fato de que a maioria das instâncias realizam reuniões mensais e/ou bimestrais o que reduz ainda mais o cronograma da pesquisa de campo. Em nosso caso, iniciamos esta etapa em novembro, um período do ano em que estão sendo realizadas as últimas reuniões, com o recesso do final do ano, e as mesmas retomadas apenas em fevereiro. Evidentemente, que para o próximo diagnóstico o fator tempo (ampliar de um para 3 meses as pesquisas qualitativas, por exemplo) e a época do ano devem ser levados em conta no planejamento inicial, já que o resultado poderia ter sido mais rico, qualificando ainda mais esta temática que como vimos acima é tão complexa e fundamental para o Bairro-escola.