5.2.4.Eixo 4. Conhecer como vivem e pensam as crianças, adolescentes e jovens do território

As áreas de ponderação que compõem o Bairro-escola Fundão do Ângela têm uma população de 139.910 indivíduos, o que corresponde a 1,2% da população total da cidade de São Paulo, de 11.253.503 pessoas. Quando considerados os distritos administrativos selecionados para compor o território (utilizados como aproximação – vide Mapa 16), tem-se uma população de 294.979 pessoas (uma diferença de  155.069 pessoas). Essa diferenciação é importante para sabermos o contingente a qual nos referimos ao usar um dado ou outro.

Da população total do território considerado, 51,2% são do sexo feminino e 48,8% do sexo masculino, mais da metade (52,4%) se declara parda, 38,5% se declaram branca e 8,3% preta. Dos territórios analisados neste diagnóstico, este é o que apresenta maior percentual de pardos e pretos –  juntos, somam 60,7% da população, enquanto este percentual representa 20,9% do Bairro-escola Centro e apenas 8,4% da população do Bairro-escola Vila Madalena. Esse dado contribui para reforçar o quadro de desigualdade na distribuição da população por raça e cor na cidade como um todo, já que é nas periferias do município que se encontra a maior parte da população negra e parda de São Paulo [32].

Os dados demográficos mostram o Bairro-escola Fundão do Ângela como um território bastante jovem, com baixo índice de envelhecimento e uma taxa de natalidade acima da média encontrada para a cidade.

É possível observar que a maior parte (56,4%) da população é composta por crianças, adolescentes e jovens de zero a 29 anos. Os adultos representam 43,6% da população desta área – essa mesma faixa etária representa mais da metade (53,3%) da população total do município. Enquanto neste território o percentual da população entre zero e catorze anos representa 28,2% da população, esta mesma faixa representa 14,9% no Bairro-escola Centro e 12,7% no Bairro-escola Vila Madalena.

Em 2010, o índice de envelhecimento no distrito Jardim Ângela foi de 21,7%, bem abaixo do índice de São Paulo, que ficou em 57,3%. A taxa geométrica de crescimento da população neste distrito foi de 1,87 e a de natalidade foi de 19,3 nascidos vivos para cada mil habitantes – na cidade, a natalidade naquele ano foi de 15,5 filhos nascidos vivos.

Do total de mulheres que tiveram filhos no território em 2010, 8,6% tornaram-se mães com menos de dezoito anos, percentual expressivo e acima do verificado para a cidade de São Paulo (6%). Na pesquisa realizada na escola de referência do Bairro-escola Fundão do Ângela, a maternidade/paternidade na adolescência também se mostra presente: três alunos e uma aluna responderam que têm ou estão esperando filho. Destes, dois tem doze anos, um tem quinze anos e um tem 21 anos (apenas o último não é considerado adolescente, mas não há a informação de com que idade se tornou pai ou mãe).

Entre a população do território, 21.019 (10,3%) são crianças em idade pré-escolar (zero a cinco anos), 24.159 (11,8%) são crianças na faixa do ensino Fundamental I e anos iniciais do Fundamental II (seis a onze anos), 12.395 (6,1%) são adolescentes de doze a catorze anos e correspondem aos anos finais do Fundamental, 12.105 (5,9%) são adolescentes de quinze a dezessete anos na faixa do Ensino Médio e 45.626 (22,3%) são jovens de dezoito a 29 anos (Tabela 55).

Distribuição da população das áreas de ponderação selecionadas, por faixas de idade, 2010.
Faixas de idade Centro Vila Madalena Fundão do Ângela
N % N % N %
0 a 5 anos criança pré escolar 9787 6,0 12161 5,3 21019 10,3
6 a 11 anos criança 9863 6,0 11494 5,0 24159 11,8
12 a 14 anos adolescente 4930 3,0 5731 2,5 12395 6,1
15 a 17 anos adolescente jovem 4956 3,0 6299 2,7 12105 5,9
18 a 24 anos jovem 19004 11,6 20975 9,1 26114 12,8
25 a 29 anos jovens adultos 17125 10,4 21506 9,3 19512 9,6
30 anos ou mais adultos 98822 60,1 153184 66,2 88964 43,6
Total 164487 100 231349 100 204268 100
Fonte: Censo 2010, IBGE, elaboraç¸a~o pro´pria.

A maior parte dos alunos pesquisados no levantamento primário (67,6%) nasceu na cidade de São Paulo, 9,5% nasceram em outra cidade e 23% nasceram em outro estado – nenhum aluno nasceu em outro país. Entre os pais e mães, o percentual que nasceu em outro estado é ainda mais expressivo: 83,8% dos pais e 78,4% das mães. Cerca de dezesseis por cento dos pais e mães nasceram na cidade de São Paulo, 5,4% das mães nasceram em outra cidade do estado. Curiosamente nenhum pai nasceu em outra cidade do estado (apenas em outros estados), bem como não há pais nem mães estrangeiros.

O alto percentual de pais e mães vindos de outros estados pode ser entendido como parte da história da região que, desde a década de 1950, recebe um contingente importante de migrantes de outros estados e cidades, mas também do próprio município em busca de formas mais acessíveis de moradia podendo ascender à casa própria.

A maior parte dos alunos (77%) reside dentro do raio de 2 km que delimita o espaço territorial do Bairro-escola Fundão do Ângela a partir da escola referência. A proximidade da residência em relação à escola também é verificada pela forma como os alunos vão para a escola e o tempo que levam para chegar até ela: 83,8% dos alunos vão para a escola a pé, 10,8% vão de ônibus e 6,8% utilizam perua escolar – nenhum aluno declarou usar um carro para ir para a escola. Apenas 6,8% alunos disseram que levam mais de trinta minutos para chegar à escola e 64,9% responderam que demoram de cinco a dez minutos.

Assim como diversas outras regiões periféricas da cidade, o Bairro-escola Fundão do Ângela é um território composto por domícilios de renda mais baixa e menor poder aquisitivo. Grande parte (72,3%) dos mesmos possui renda média familiar de até cinco salários mínimos (SM), sendo 6,6% com renda até um SM, 20,4% com renda de um a dois SM (número bastante expressivo), 19% de dois a três SM e 26,3% com renda de três a cinco SM. Apenas 3,8% têm renda acima de dez SM, e 8,7% não têm renda alguma de acordo com o Censo demográfico (Tabela 77).

Distribuição dos domicílios das áreas de ponderação selecionadas, por faixas de renda, 2010.
Faixas de renda Centro Vila Madalena Fundão do Ângela
N % N % N %
Até um SM 4557 2,8 2595 1,1 13532 6,6
de 1 a 2 SM 8202 5,0 5027 2,2 41680 20,4
de 2 a 3 SM 11140 6,8 7553 3,3 38871 19,0
de 3 a 5 SM 25332 15,4 15941 6,9 53663 26,3
de 5 a 10 SM 41851 25,4 40682 17,6 30962 15,2
de 10 a 20 SM 32104 19,5 57621 24,9 6045 3,0
Mais de 20 SM 26259 16,0 91793 39,7 1623 0,8
Sem renda 12689 7,7 8541 3,7 17783 8,7
Não declarado 2353 1,4 1596 0,7 108 0,1
Total 164487 100 231349 100 204268 100
Fonte: Censo 2010, IBGE, elaborac¸a~o pro´pria.

Do ponto de vista da renda, os dados primários coletados revelam que o perfil das famílias dos alunos das escolas estudadas é semelhante ao perfil dos domicílios do território (realizado a partir dos dados secundários). Entre os alunos, também há uma concentração maior em faixas de renda menor: 67,5% com renda familiar até quatro SM e um aluno (2,5%) na faixa de cinco a dez SM (Tabela 48). Trinta porcento dos alunos não souberam ou preferiram não responder a essa questão.

Distrbuição dos alunos das escolas selecionadas, por renda familiar, 2012.
Escola Centro Escola Vila Madalena Escola Fundão do Ângela
TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio
N % N % N % N % N % N % N % N % N %
Renda familiar: 47 100,0 28 100,0 19 100,0 30 100,0 16 100,0 14 100,0 40 100,0 15 100,0 25 100,0
Até 4 salários mínimos 33 70,2 26 92,9 7 36,8 13 43,3 11 68,8 2 14,3 27 67,5 14 93,3 13 52,0
De 5 a 10 salários mínimos 3 6,4 2 7,1 1 5,3 9 30,0 5 31,3 4 28,6 1 2,5 1 6,7
De 10 a 15 salários mínimos 1 2,1 1 5,3 3 10,0 3 21,4
Prefere não responder 5 10,6 5 26,3 3 10,0 3 21,4 7 17,5 7 28,0
Não sabe 5 10,6 5 26,3 2 6,7 2 14,3 5 12,5 5 20,0

Dezoito alunos (24,3%) declararam receber benefícios socias do governo (Bolsa Família e Renda Mínima) – número maior que nos outros dois territórios. Considerando que estes benefícios são concedidos para famílias em situação de pobreza ou pobreza extrema, o dado merece a atenção por apontar a presença de um número considerável de crianças, adolescentes e jovens em alguma destas situações.

Os dados de escolaridade apresentam um território com alto índice de analfabetismo (7,3%) sendo que 84,2% de indivíduos que sabem ler e escrever estão concentrados na faixa etária entre zero e catorze anos. A população em idade escolar (aqui considerada de cinco a dezessete anos) representa 37,6% do território. Desta, 67,6% frequentam escola ou creche pública, enquanto apenas 6,1% frequentam instituição particular – dado condizente com o perfil de renda mostrado acima. Cerca de um quarto da população em idade escolar não frequenta nenhuma instituição escolar, sendo que 10,7% não frequentam, mas já frequentaram escola ou creche e 15,7% nunca frequentaram algumas destas instituições – revelando um número alto de pessoas em idade escolar que se encontram fora da escola (Tabela 62).

População das áreas de ponderação selecionadas que frequenta escola ou creche, 2010. (número absoluto)
Faixa de idade Centro Vila Madalena Fundão do Ângela
Sim, pública Sim, particular Não, já frequentou Não, nunca frequentou Total Sim, pública Sim, particular Não, já frequentou Não, nunca frequentou Total Sim, pública Sim, particular Não, já frequentou Não, nunca frequentou Total
População em idade escolar 13439 13045 3346 4167 33997 7552 26402 1749 4787 40490 51887 4655 8234 12032 76808
Restante da população 9148 13198 103912 4233 130491 10535 19133 157689 3502 190859 15141 3360 101108 7852 127461
Total 22587 26243 107258 8400 164488 18087 45535 159438 8289 231349 67028 8015 109342 19884 204269
Fonte: Censo 2010, IBGE, elaborac¸a~o pro´pria.

Entre os responsáveis pelos alunos pesquisados também foram verificados percentuais expressivos de analfabetismo, especialmente entre os pais: 16,7% dos pais e 5,9% das mães são analfabetos/as ou sem instrução (Tabela 45). O nível de escolaridade, no geral, é bastante baixo: quase metade das mães (45,%) e dos pais (44,4%) têm Ensino Fundamental incompleto, enquanto 22,1% das mães e 18,5% dos pais têm esse nível completo. Das mães, 20,6% completaram o Ensino Médio, enquanto apenas 11,1% dos pais tem este nível completo.

Distribuição de mães e pais (ou responsáveis) dos alunos das escolas selecionadas, por nível de instrução, 2012.
Escola Centro Escola Vila Madalena Escola Fundão do Ângela
TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio
N % N % N % N % N % N % N % N % N %
Nível de instrução (mãe ou responsável): 67 100,0 49 100,0 18 100,0 35 100,0 23 100,0 12 100,0 68 100,0 45 100,0 23 100,0
Analfabeto ou sem instrução 1 2,9 1 4,3 4 5,9 2 4,4 2 8,7
Educação Infantil (inclusive creche) 1 1,5 1 2,2
Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) incompleto 27 40,3 18 36,7 9 50,0 11 31,4 9 39,1 2 16,7 31 45,6 18 40,0 13 56,5
Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) completo 7 10,4 5 10,2 2 11,1 4 11,4 2 8,7 2 16,7 15 22,1 12 26,7 3 13,0
Ensino Médio (antigo 2º grau) incompleto 5 7,5 5 10,2 1 2,9 1 4,3 2 2,9 1 2,2 1 4,3
Ensino Médio(antigo 2º grau) completo 24 35,8 19 38,8 5 27,8 10 28,6 5 21,7 5 41,7 14 20,6 10 22,2 4 17,4
Ensino Superior (Faculdade) incompleto 1 1,5 1 5,6 2 5,7 2 8,7
Ensino Superior (Faculdade) completo 3 4,5 2 4,1 1 5,6 6 17,1 3 13,0 3 25,0 1 1,5 1 2,2
Nível de instrução (pai ou responsável): 56 100,0 42 100,0 14 100,0 31 100,0 22 100,0 9 100,0 54 100,0 35 100,0 19 100,0
Analfabeto ou sem instrução 2 6,5 1 4,5 1 11,1 9 16,7 6 17,1 3 15,8
Educação Infantil (inclusive creche) 1 1,8 1 2,4 1 3,2 1 4,5 2 3,7 2 5,7
Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) incompleto 18 32,1 12 28,6 6 42,9 7 22,6 7 31,8 24 44,4 12 34,3 12 63,2
Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) completo 7 12,5 6 14,3 1 7,1 5 16,1 4 18,2 1 11,1 10 18,5 9 25,7 1 5,3
Ensino Médio (antigo 2º grau) incompleto 3 5,4 3 7,1 2 6,5 1 4,5 1 11,1 2 3,7 2 10,5
Ensino Médio(antigo 2º grau) completo 19 33,9 14 33,3 5 35,7 11 35,5 6 27,3 5 55,6 6 11,1 5 14,3 1 5,3
Ensino Superior (Faculdade) incompleto 3 5,4 3 7,1 1 1,9 1 2,9
Ensino Superior (Faculdade) completo 5 8,9 3 7,1 2 14,3 3 9,7 2 9,1 1 11,1

Para o Ensino Superior os percentuais são ainda mais baixos: apenas uma mãe tem este nível completo e um pai tem o Ensino Superior incompleto de acordo com o levantamento primário. A pesquisa pode indicar que, apesar do número de pessoas que ingressam no Ensino Superior estar crescendo, nas camadas de renda mais baixa da população a continuação dos estudos não é uma realidade tão presente, pelo menos nesta faixa de idade (a média de idade das mães neste território é de 39,1 anos e dos pais é de 43,6 anos).

Da população em idade economicamente ativa (maior de quinze anos), que representa 49% da população do Bairro-escola Fundão do Ângela, pouco menos da metade (44,4%) encontrava-se ocupada, ou seja, estava trabalhando no período de referência da pesquisa – apenas 28,1% destes declarou estar em trabalhos formalizados (com carteira de trabalho assinada).

Os dados primários apresentaram um percentual maior de ocupados entre os responsáveis pelos alunos, mas chama a atenção a diferença nos percentuais de homens e mulheres:  64% dos pais e 58,3% das mães estavam empregados (com ou sem carteira de trabalho assinada) na época da pesquisa. Um quarto (25%) das mães estava desempregada, enquanto apenas 6% dos pais estavam nesta situação. Entre os responsáveis pelos alunos, 12% dos pais e 8,3% das mães trabalham como autônomos; 6% dos pais e 5,6% das mães têm negócio próprio. Seis pais (12%) responderam que são trabalhadores temporários (trabalham quando são chamados por alguns dias ou meses).

O trabalho na infância e adolescência está presente no território do Bairro-escola Fundão do Ângela: 2,4% de crianças e adolescentes com menos de quinze anos responderam que, durante pelo menos uma hora no último ano – período de referência da pesquisa (IBGE, 2010). Apesar de ser um percentual menor que o encontrado no Bairro-escola Centro (3,8%), em números absolutos são 518 pessoas, 127 a mais – um número em nada desprezível. Os resultados do levantamento primário mostram que existem alunos trabalhando nos três territórios, sendo que o maior percentual (20,3%) está no Bairro-escola Fundão do Ângela, contra 14,5% no Centro e 5,1% no Vila Madalena.

Dos quinze alunos que disseram trabalhar neste território, 60% são do Ensino Médio e 40% do Ensino Fundamental. Apenas um terço (33,3%) tem registro na Carteira de Trabalho, enquanto 66,7% não têm.

Os números chamam a atenção pois apontam para a presença de trabalho infantil (prática ilegal), uma vez que os estudantes do Ensino Fundamental têm 14 anos ou menos e, no Brasil, são permitidos trabalhos exercidos por pessoas a partir dos 16 anos ou a partir dos 14 anos, apenas na condição de aprendiz.

Seria possível se questionar se os alunos do Ensino Fundamental que disseram que trabalham estão em programas de aprendizagem, porém, segundo a Lei da Aprendizagem, a jornada de trabalho não deve ser maior que seis horas diárias e, dos seis adolescentes deste nível que trabalham, cinco responderam trabalhar oito horas por dia. Também se destaca o fato de três alunos do Ensino Médio terem respondido que trabalham nove horas por dia e um do mesmo nível ter dito que trabalha dez horas por dia.

Dos alunos que responderam como gastam o dinheiro que ganham trabalhando, 78,6% disseram que gastam com si próprios e ajudando em casa, 14,3% gastam tudo com coisas para si próprios e apenas um (do Ensino Fundamental) respondeu que gasta ajudando em casa.

Essa questão mereceria um entendimento mais aprofundado: onde e quais são as ocupações das crianças e adolescentes menores de catorze anos em situação de ilegalidade? Fazem parte das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza que recebem benefícios sociais do governo? Como os jovens que trabalham entre oito e dez horas conseguem conciliar trabalho e estudo? A escola tem percebido e trabalhado essas questões?

No território, apenas 0,3% dos domicílios está em situação de inadequação habitacional – sem rede de abastecimento de água, rede coletora de esgoto e fossa séptica, serviços de coleta de lixo e energia elétrica –, o que é considerado comum numa cidade como São Paulo cuja cobertura de energia e esgoto é bastante ampla (não é um diferenciador entre territórios da cidade).

Apesar do baixo percentual de domicílios em situação de inadequação habitacional, a ligação com a rede de esgoto (um dos fatores determinantes que compõe o indicador de inadequação) apresenta uma situação pior que a dos outros três territórios estudados, mostrando que, entre os fatores considerados para a caracterização do domicílio como inadequado, neste território a falta de ligação com a rede de esgoto é o fator mais determinante e presente.

Enquanto praticamente a totalidade dos domicílios do Centro e da Vila Madalena apresentam rede de esgoto pluvial, no Bairro-escola Fundão do Ângela menos da metade (48,8%) dos domicílios estão nesta situação. Isso se explica pelo fato de que 29,9% dos domicílios têm fossa rudimentar, 13,9% têm fossa séptica e 3,7% têm vala. A falta de ligação dos domicílios com a rede de esgoto (uma condição mínima no direito à moradia adequada) é reveladora de uma situação de precariedade que na grande maioria do território da cidade já foi superada.

Mesmo que a maioria dos domicílios (77,4%) sejam compostos por um a quatro moradores, essa proporção está abaixo do percentual do munícipio (93,3%) e dos demais territórios que também variam em torno de 90% de domicílios compostos por um a quatro moradores, ou seja, o Ângela apresenta a maior proporção entre os três territórios de domicílios com mais de quatro moradores. Da mesma forma, esse território possui a menor proporção de domicílios unipessoais (com apenas um morador por domicílio). Estes dados se confirmam com o questionário aplicado nas escolas: a média de moradores por domicílio é de 4,7 pessoas.

Do total de domicílios, 98,6% são casas, enquanto apenas 0,1% são apartamentos, mostrando ser um território mais horizontalizado (com menos construções verticais). Esses dados foram corroborados no levantamento primário: praticamente todas as famílias (95,5%) entrevistadas nas escolas moram em casas e três famílias moram em cômodo (quarto) – nenhuma família entrevistada afirmou morar em apartamento. Das famílias entrevistadas, 71,2% moram em imóvel próprio que já está pago e 16,7% moram em imóvel alugado.

Os indicadores relacionados aos domicílios também podem ser utilizados como caracterização ou aproximação aos níveis da renda da população. Um exemplo disso são os dados relacionados a bens de consumo, apresentados a seguir, que confirmam o Bairro-escola Fundão do Ângela como um território de poder aquisitivo mais baixo.

Isso porque, apenas 39,2% dos domicílios possuem microcomputador e 29,9% além de possuírem o aparelho, estão ligados a uma rede de Internet – como referência, 83,7% das residências no Bairro-escola Vila Madalena possuem microcomputador e 81% estão conectados à Internet. O automóvel também está em apenas um terço (33,3%) dos domicílios deste território, enquanto mais da metade dos domicílios dos outros territórios possuem automóveis.

As taxas de mortalidade por causas externas revelam o Bairro-escola Fundão do Ângela como um território violento, se comparado aos outros territórios e ao município como um todo. A mortalidade por causas externas foi de 61 óbitos por cem mil habitantes, enquanto esse número foi de 55,9 em São Paulo – dos 96 distritos da capital, o Jardim Ângela tem a décima nona maior taxa. A taxa de mortalidade por agressão foi de 21,4, taxa bastante superior a de São Paulo (12,9) e a sétima maior entre os distritos cidade.

Na pesquisa realizada por meio de aplicação de questionários, os alunos foram perguntados sobre situações relacionadas a violência que poderiam já ter acontecido com eles. Menos da metade (44,6%) dos alunos disse que alguém já lhes ofendeu ou agrediu com palavrões, 14,9% que alguém já lhes bateu com socos e pontapé e 18,9% tiveram algum parente próximo ferido com arma de fogo ou faca – número pouco acima dos outros territórios.

Em relação a ter presenciado ou ter ficado sabendo do uso de drogas, assaltos, agressões, tiroteios, brigas de gangues ou pessoas sendo presas em seus bairros, chama a atenção que em comparação aos outros territórios uma menor parcela dos alunos do Ângela já viu ou ficou sabendo de alguém ter sido assaltado. Em relação às outras situações o Ângela se equipara aos outros territórios com diferenças pequenas. No entanto, a ação da polícia aparece com maior força neste território: 83,3% dos alunos já viram ou souberam de casos em que a polícia prendeu alguém. No Centro, este percentual é de 78, 7% e no Vila Madalena é de 48,6%.

De acordo com os dados da pesquisa realizada nas escolas, os alunos deste território consomem menos tabaco, álcool e outras drogas do que os alunos dos outros dois territórios. Apenas 8% disseram ter o costume de tomar bebidas alcóolicas, contra 36,8% do Bairro-escola Centro e 28,6% do Bairro-escola Vila Madalena. Nenhum aluno disse ter o costume de fumar cigarro e também não houve nenhum aluno que respondeu já ter utilizado ou fazer uso de alguma droga ilícita.

Por outro lado, 40% dos alunos responderam que conhecem algum colega ou amigo que faz uso frequente de drogas ilícitas e 90,9% disseram que já viram alguém usando drogas. A diferença entre as respostas dadas sobre os amigos ou conhecidos e sobre si mesmos pode ter sido influenciado pelo fato de que os questionários deveriam ser respondidos na presença de um dos pais/responsáveis.

Com o intuito de entender qual é a relação das crianças e jovens com o entorno da escola e o bairro em que moram, foram feitas algumas perguntas sobre o conhecimento e o uso que este público faz do território.

Menos da metade (37,8%) dos alunos afirmou que visita ou conhece algum lugar perto da escola. Destes, 30,8% citaram casa de amigos/parentes, 15,4% a quadra de esportes e 7,7% citaram o parque. Outros lugares, como a padaria, o CEU e uma escola, foram citados por apenas um aluno cada.

As respostas podem indicar, por um lado, um território com poucos espaços (públicos ou privados) culturais, de lazer ou esportivos, mas também aponta para a importância das relações de vizinhança para os jovens do território, sendo o maior percentual de respostas a casa de amigos, familiares (possíveis vizinhos). Os dados a seguir parecem fortalecer essa ideia.

Quando perguntados sobre o que mais gostam no seu bairro, 47,1% dos alunos responderam “seus vizinhos e amigos”. A importância dos amigos e vizinhos parece ser ligeiramente maior entre os alunos mais velhos, uma vez que essa resposta foi dada por 54,2% dos alunos do Ensino Médio e 43,5% dos alunos do Ensino Fundamental.

O segundo item mais indicado como o que mais gostam no bairro foi “espaços e áreas de lazer e esporte”, resposta de 18,6% dos alunos. Aqui também é possível verificar uma diferença entre as faixas etárias: 76,9% dos alunos que deram essa resposta são do Ensino Fundamental, o que indica que os espaços de lazer e esporte presentes no território são mais conhecidos e reconhecidos – e talvez utilizados – pelas crianças e adolescentes mais novos do que pelos mais velhos.

Outro dado que chama a atenção é o fato de 15,7% dos alunos terem respondido que a sua escola é o que mais gostam no seu bairro, percentual que mesmo que não seja alto, está acima do encontrado para essa mesma resposta nos outros dois territórios. Mais uma vez, existe a diferença entre os alunos dos dois níveis de ensino: essa resposta foi dada por 19,6% dos alunos do Ensino Fundamental e 8,3% dos alunos do Ensino Médio.

Pode ser interessante levantar algumas questões: por que no Bairro-escola Fundão do Ângela a escola tem um papel mais importante para os jovens do que nos outros territórios? Isso tem alguma relação com a pouca existência de outros espaços públicos? Pesquisas realizadas sobre a relação entre a escola e as famílias em contextos de maior vulnerabilidade social mostram que as escolas são o grande equipamento público-estatal de referência para as famílias nos locais onde não há  presença de outros equipamentos sociais (Érnica e Bastista, 2012).

A carência destes espaços ou equipamentos aparece também nas respostas dos alunos quando perguntados sobre o que não gostam no seu bairro: 52,7% não gostam de “não ter lugares para se divertir”. As outras duas respostas mais dadas foram a “insegurança de circular pelas ruas” (21,6%) e a “dificuldade de ir para outros lugares da cidade” (18,9%). Essas duas respostas podem ter relação com as taxas relacionadas a violência e com o fato de o Jardim Ângela estar localizado em uma região periférica da cidade, com menos oferta de transporte público, como estações de metrô e linhas de ônibus.

Quando os alunos do Bairro-escola Ângela vão a algum lugar que costumam frequentar, normalmente estão acompanhados por amigos (43,1%) ou por pais ou parentes (34,7%). Os amigos são a companhia de 60% dos alunos do Ensino Médio e de 34% dos alunos do Fundamental, já 42,6% dos alunos deste nível e 20% dos alunos do Médio costumam ir acompanhados dos pais. É interessante observar que, ao contrário do que se poderia supor, enquanto 16% dos alunos do Ensino Médio frequentam esses locais sozinhos, esse percentual sobe para 21,3% no caso dos alunos mais novos.

A pesquisa mapeou o uso do tempo livre das crianças e jovens (Tabela 28), e mostrou que quando estão fora da escola, 54,4% dos alunos assistem rádio ou TV, 52,9% utilizam a Internet para se divertir, 50% ouvem música e 30,9% passeiam no shopping. Cabe destacar que, apesar de a insegurança de circular pelas ruas ter sido a segunda resposta que mais apareceu quando questionados sobre o que não gostam no bairro, 29,4% dos alunos responderam que quando não estão na escola ficam na rua – maior percentual entre os três territórios.

Distribuição dos alunos das escolas selecionadas, por atividade que costumam fazer quando estão fora da escola, 2012.
Escola Centro Escola Vila Madalena Escola Fundão do Ângela
TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio TOTAL Ensino Fundamental Ensino Médio
N % N % N % N % N % N % N % N % N %
Quando está fora da escola você costuma (RM): 67 100,0 49 100,0 18 100,0 35 100,0 22 100,0 13 100,0 68 100,0 45 100,0 23 100,0
Utilizar a internet para se divertir 42 62,7 28 57,1 14 77,8 22 62,9 15 68,2 7 53,8 36 52,9 23 51,1 13 56,5
Assistir rádio ou TV 38 56,7 30 61,2 8 44,4 24 68,6 15 68,2 9 69,2 37 54,4 29 64,4 8 34,8
Ouvir música 38 56,7 24 49,0 14 77,8 13 37,1 7 31,8 6 46,2 34 50,0 22 48,9 12 52,2
Passear no shopping 22 32,8 13 26,5 9 50,0 18 51,4 10 45,5 8 61,5 21 30,9 13 28,9 8 34,8
Ir ao cinema 21 31,3 11 22,4 10 55,6 9 25,7 5 22,7 4 30,8 12 17,6 9 20,0 3 13,0
Ficar na rua 16 23,9 9 18,4 7 38,9 4 11,4 1 4,5 3 23,1 20 29,4 13 28,9 7 30,4
Participar de atividades religiosas 10 14,9 8 16,3 2 11,1 2 5,7 2 15,4 8 11,8 5 11,1 3 13,0
Ir a parques de diversão 6 9,0 4 8,2 2 11,1 7 20,0 6 27,3 1 7,7 5 7,4 3 6,7 2 8,7
Participar de atividades comunitárias 5 7,5 5 10,2 3 8,6 3 13,6 5 7,4 5 11,1
Fazer outra coisa 5 7,5 4 8,2 1 5,6 4 11,4 3 13,6 1 7,7 3 4,4 2 4,4 1 4,3
Ir ao teatro 3 4,5 1 2,0 2 11,1 2 5,7 2 15,4 2 2,9 2 4,4
Fazer trabalho voluntário 3 4,5 2 4,1 1 5,6 1 2,9 1 7,7

Apesar de ser um território com baixo percentual de domicílios com microcomputador e Internet, a utilização desta para se divertir foi o segundo item mais respondido pelos alunos, o que parece apontar para a utilização da mesma em lan houses e por celular. Além disso, 51,6% dos alunos responderam que ficam de trinta minutos a duas horas por dia na Internet e 28,1% responderam que ficam mais de duas horas. É possível que parte desse tempo seja utilizado nas redes sociais, uma vez que 86,5% disseram participar delas.

O Bairro-escola Fundão do Ângela foi o território com maior percentual de alunos que respondeu ter religião (90,3%) e também o que mostrou uma distribuição mais próxima entre católicos (54,7%) e evangélicos (42,2%) – os outros territórios apresentaram-se com um maior número de católicos. Um aluno respondeu ser da religião espírita e um da umbanda. Apesar de 65 alunos terem uma religião, apenas oito responderam que participam de atividades religiosas. Isso aponta para a ideia de que, para a maioria, a fé pode estar mais associada a uma questão de identidade do que propriamente de ligação com uma vida religiosa.