5.3.Bairro-escola Vila Madalena

A partir dos critérios para definição territorial do Bairro-escola, o perímetro territorial aqui considerado como Bairro-escola Vila Madalena compreende um micro território baseado na delimitação raio 2 km a partir da EMEF Olavo Pezzotti, escolhida por ter uma participação ativa em diversos projetos e iniciativas do Aprendiz e ser um parceiro antigo e estratégico da organização. Ainda que grande parte das ações da Cidade Escola Aprendiz – cuja sede encontra-se dentro do perímetro – tenham ocorrido no interior do mesmo, muitas vezes as atividades e projetos extrapolaram esse território. Isso ocorre em função de que essa delimitação tem seu valor como referencial para a discussão do microterritório na concepção da estratégia do Bairro-escola e não propriamente na demarcação precisa das ações da estratégia no local.

Localizado na região Oeste de São Paulo, do ponto de vista da divisão administrativa do município, este território encontra-se em grande parte no interior da Subprefeitura de Pinheiros, mas não coincide com área do distrito de Pinheiros e nem com do bairro Vila Madalena [33], ainda que leve o seu nome. Ele é composto por parte do que é considerado distrito de Pinheiros, Alto de Pinheiros, um pequeno trecho do Jardim Paulista e da Lapa (vide Mapa 13). Trata-se de um território heterogêneo, no interior do qual coexistem uma diversidade de condições socioterritoriais, mas que, quando olhado pelo seu conjunto e sobretudo em relação ao resto da cidade, torna-se uma das áreas mais privilegiadas de São Paulo, tanto do ponto de vista das condições de vida de seus habitantes quanto de localização no conjunto do município, oferta de serviços públicos e privados, infraestrutura, transporte.

Os seguintes dados demonstram isso: há 33 escolas no território, sendo 6 particulares e 27 públicas. Entre as públicas há 4 de Educação Infantil (creche e EMEI), 14 de Ensino Fundamental, 8 de Ensino Médio e 1 Escola Técnica (Mapa 14). Em relação aos equipamentos de saúde, há 2 Unidades Básicas de Saúde (UBS) (Mapa 15). No Bairro-escola Vila Madalena há 1 CRAS (Centro de Referência em Assistência Social)  – este é o único território do diagnóstico que conta com este equipamento. Além disso, há foram identificados dois outros CRAS que, apesar de estarem fora do território, localizam-se a menos de 10 km de distância do equipamento presente no Bairro-escola Vila Madalena. O território conta ainda com 3 bibliotecas, 4 museus e 1 clube comunitário.

O nome Vila Madalena possui forte valor simbólico na cidade, associado a concentração de bares, restaurantes, galerias de arte, ateliers no bairro que reforçam seu aspecto boêmio e artístico conhecido em todo Brasil [34]. A vocação educativa também têm destaque na região, com a existência de escolas – tanto privadas quanto públicas – com propostas educativas inovadoras,. (Veremos adiante algumas destas inovações educativas realizadas em parceria com a Associação Cidade Escola Aprendiz). A região também é reconhecido por sua vocação comunitária, evidenciada pela organização de feiras locais, tais como a tradicional “Feira da Vila” – feira de artesanato, produtos e alimentos que ocorre anualmente no mês de agosto, com mais de 500 barracas espalhadas por seis quarteirões (tradicionalmente a feira ocupa as ruas Mourato Coelho, Fradique Coutinho, Wizard e Felipe de Alcaçova) e já está em sua 36ª edição. Simultaneamente a esses movimentos, nas últimas décadas o bairro tem passado por um crescente processo de verticalização de alto padrão e gentrificação que o tornou alvo de especulação imobiliária e tem alterado o aspecto do bairro, mesclando as características citadas a uma forte concentração da elite financeira da cidade.

A história da Associação Cidade Escola Aprendiz e a Vila Madalena (sobretudo em relação ao seu valor simbólico) estão bastante associados: se o Aprendiz é lembrado por sua atuação no bairro, ele mesmo é também marcado pelos 16 anos de presença da Associação no local.

O Aprendiz iniciou suas atividades na Vila Madalena em 1998 com projetos de comunicação e criação de sites por alunos de escolas públicas e particulares da cidade. Em 1999 nasceu o “Projeto 100 muros” – um marco para a instituição do ponto de vista de sua visibilidade. Com este projeto o Aprendiz passa a ser reconhecido pela aplicação de mosaicos e azulejos em 100 muros da cidade, incluindo escolas, becos, praças.

O projeto nasceu de uma insatisfação com a qualidade da educação praticada no país, centrada na transmissão vertical professor-aluno. De acordo com seus idealizadores, essa má educação também se tornava visível na atitude de crianças, jovens e adultos na relação com as ruas e com a cidade. Isto é, havia nessa época a constatação de que a mesma postura dos jovens de “receber passivamente” o conhecimento podia ser testemunhada na relação desses jovens com a cidade: falta de intervenção social, passividade política e pouca participação comunitária. O “100 muros” procurou modificar essa relação com cidade através de intervenções artísticas, modificando o espaço público e estreitando as relações entre educação, comunidade e cidade.

Fruto de uma parceria entre Aprendiz, Fundação Bank Boston e FIAT e com o apoio da UNESCO, o projeto se caracterizou pela diversidade de seus participantes. Crianças e jovens de diversas escolas, tanto públicas como particulares, moradores de abrigos, participantes de projetos sociais e interessados (de qualquer idade, filiados ou não a alguma organização) planejavam e executavam juntos as intervenções (revitalização dos muros). O nome do projeto faz um jogo de palavras com a concepção de uma cidade “sem muros”, sem fronteiras entre comunidade e a educação, sem barreiras entre as pessoas, idades ou organizações. O esforço do Aprendiz nessa época era, portanto, provocar uma mudança de olhar sobre a cidade, abrindo a possibilidade de exercer a cidadania através da arte e da revitalização urbana. Com o passar dos anos – como veremos – esse objetivo inicial foi se tornando mais sofisticado, passando a incluir o trabalho com as escolas e pensando formas de aproximar o currículo escolar com os potenciais educativos da cidade.

Nesse mesmo ano também teve início uma série de intervenções no Beco da Praça Aprendiz das Letras, na Rua Belmiro Braga, em frente à então sede do Aprendiz. Cerca de 60 jovens grafiteiros e artistas do Aprendiz fizeram intervenções artísticas (grafite e pintura dos muros) e o espaço recebeu manutenção. Foram organizados encontros periódicos com os grafiteiros e artistas e a cada seis meses o beco era repintado. Nessa época o beco e a praça – localizados entre as ruas Belmiro Braga e Padre João Gonçalves – apresentavam condições muito ruins de limpeza e eram frequentados por agentes do tráfico de drogas o que os associava a um lugar violento e perigoso. A limpeza inicial do beco foi realizada pela Prefeitura de São Paulo, mas com o passar do tempo (e o uso do espaço pelos artistas), a manutenção do espaço ficou a cargo da Associação Cidade Escola Aprendiz. O trabalho de recuperação desses espaços públicos teve também o apoio do Grupo Pão de Açúcar e ao final dos trabalhos o beco se tornou uma “galeria a céu aberto”, com painéis de grafite abertos à visitação do público. A Praça Aprendiz das Letras, se antes era um espaço deteriorado, passou a funcionar como um espaço para oficinas de arte. (Incluir foto do Beco – antes e depois)

Nessa fase inicial, o Bairro-escola Vila Madalena – assim chamado posteriormente o conjunto de ações no espaço público do entorno e interior da Vila Madalena – se desdobrou em estratégias de transformação e revitalização de espaços públicos e privados por meio de intervenções artísticas, o que traz consequências diretas e indiretas na forma dos cidadãos se relacionarem com a cidade e com o espaço público. Com o tempo e o amadurecimento dos projetos de Bairro-escola, essas ações de intervenção ganharam complexidade, incluindo a mobilização comunitária, a articulação de parcerias locais e estratégias de promoção da Educação Integral de crianças e adolescentes do território.

É preciso destacar que o Bairro-escola não é um conjunto de intervenções pontuais sem diálogo com agentes e redes; as intervenções são disparadores e/ou resultados de processos de articulação e parcerias locais. Ao mesmo tempo em que há estratégias de formação de crianças e adolescentes, também se repensa o desenvolvimento local, o reconhecimento do espaço, os usos e a circulação das pessoas no território. Neste sentido o Beco da Rua Belmiro Braga, que no início disparou as primeiras intervenções do Aprendiz, com o tempo passou a ser pensado em diálogo com todos os agentes que o utilizam, com coletivos de artistas, grafiteiros, moradores e organizações. O Bairro-escola se torna mais complexo, na medida em que vai além de intervenções pontuais e passa a incluir formação de redes de parceria, bem como começa a explicitar com mais clareza seus objetivos de fomentar a vocação educativa do território.

Assim, se no momento de sua formação, o Aprendiz se dedicou primordialmente a oferecer projetos de intervenção artística e cultural na região da Vila Madalena, ao longo dos anos começou a envolver cada vez mais a comunidade nesse processo. O grande interesse de crianças, adolescentes e jovens do território em participar das intervenções do “100 muros” – e portanto, em repensar a cidade – foi um dos fatores que originou um dos projetos mais emblemáticos da organização: o Escola na Praça.   O projeto iniciou suas atividades em 1999, com o financiamento do FUMCAD – Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e se encerrou em 2012 – tendo, ao longo dos anos, funcionado com diversas metodologias. Nos primeiros anos do projeto o objetivo era o atendimento de crianças e adolescentes entre 4 e 14 anos, vindas de escolas da Vila Madalena, para atividades de comunicação, esportes e artes. Um dos parceiros mais próximos foi a EMEF Olavo Pezzotti, que encaminhava seus alunos do Fundamental para atividades complementares à escola. Com o passar dos anos e a complexificação das ações do Aprendiz, a Escola na Praça deu início ao que chamou de “trilhas educativas” pelo bairro, ou seja, percursos educativos que integravam os interesses dos alunos, os currículos das escolas e demais espaços educativos do bairro, ao mesmo tempo em que articulava uma rede de apoio (serviços de saúde e assistência social) voltados para infância e adolescência.

O próprio nome do projeto (“Escola na Praça”) traz a dimensão de seu objetivo central: fazer com que os processos educativos possam acontecer em toda a cidade (e não apenas nas salas de aula de uma escola) e a praça – entendida como símbolo de bairro ou do espaço da cidade – se torna um campo de ensino-aprendizagem privilegiado. A partir do entendimento de que o conhecimento não se restringe aos conteúdos curriculares da escola, no desenvolvimento do projeto são considerados os saberes e fazeres locais e comunitários.

Ainda em 1999, o Aprendiz concebeu e implementou o Oldnet, um projeto que propõe o encontro intergeracional de idosos e adolescentes através do ensino de informática. No seu primeiro ano de existência a iniciativa foi implementada no então chamado Lar Golda Meir (atualmente “Residencial Israelita Albert Einstein”- RIAE) – lar de idosos na Vila Mariana –, em parceria com o Colégio Bialik, escola particular localizada em Pinheiros. Na rotina do projeto adolescentes estudantes do Bialik ministravam aulas para os idosos residentes do Lar Golda Meir. Mais tarde as atividades passaram a ser realizadas dentro do Café Aprendiz, restaurante localizado ao lado da sede da Associação e mantido pela mesma para captar recursos e ao mesmo servir de espaço-laboratório para experiências pedagógicas [35]. Desde a fase de implementação, o público do Oldnet foi composto por idosos e adolescentes moradores ou frequentadores do território – ou de locais vizinhos.

Na medida em que coloca o idoso como educando e o adolescente como educador, o projeto explicita a concepção de educação ao longo da vida e do processo de ensino-aprendizagem como uma dinâmica horizontal e de mão-dupla. O projeto traduz a noção de que a educação é responsabilidade de todos; desconstrói os limites da educação à sala de aula e transforma diversos espaços da cidade em espaços de aprender.

Os resultados efetivos do Oldnet deram origem a um movimento de expansão do programa em escala mundial. No início de 2006, o Oldnet estabeleceu uma parceria com a empresa global de processadores AMD no intuito de multiplicar este modelo inovador e mundialmente viável para a inclusão digital de idosos. Desta parceria nasceu o site www.oldnet.com.br (e um CD-ROM) que visa disseminar a metodologia Oldnet para todo o mundo. Desde então o Oldnet já foi replicado pela USP (Campus Leste, na Faculdade de Gerontologia) e recebeu, em 2009, o prêmio do Banco do Brasil na categoria “Tecnologia Social Efetiva”.

Um novo método de aprendizado que aproxima a escola e o território Vila Madalena: As trilhas educativas

Com o desenvolvimento e amadurecimento do Aprendiz – e do próprio conceito de Bairro-escola – começou a ficar claro que o grande diferencial do trabalho com as crianças e, adolescentes e jovens está na sua metodologia. Em função disso, ao longo dos anos, o Aprendiz formulou o que denominou “Trilhas educativas”, uma metodologia de ensino-aprendizagem que consiste na elaboração de percursos pedagógicos que integram os conteúdos dos projetos da escola aos do território. Pelos princípios das Trilhas, os projetos partem do próprio interesse dos educandos, há etapas de mapeamento do entorno (do bairro ou parte dele) e interação com a comunidade (moradores, trabalhadores ou frequentadores da região). A circulação pelo bairro e pela cidade não são considerados, pelo viés de Bairro-escola, como “passeios”, ou simplesmente “atividades culturais”: estão na própria base conceitual de território educativo.

A Vila Madalena foi e é, nesse sentido, território corresponsável pelo aprendizado de centenas de crianças e jovens que frequentaram os projetos do Aprendiz, em todos os anos de sua história. É um território privilegiado de experimentações e laboratórios educativos do Aprendiz; o local onde se experimenta e se põem em prática os conceitos desenvolvidos na organização. Ao caminhar pela Vila Madalena, lá estão os mosaicos (dos 100 muros), a praça sendo utilizada pela comunidade (onde antes havia um beco praticamente abandonado), idosas que aprendem informática com adolescentes dentro de um restaurante (que já criou e apoiou outras iniciativas e projetos comunitários). A ampliação das oportunidades educativas foi, portanto, uma das marcas mais fortes do Bairro-escola Vila Madalena, com um histórico de projetos e intervenções de caráter comunitário.

Concebido inicialmente como metodologia educativa do projeto Escola na Praça, aos poucos os fundamentos das Trilhas passaram a contaminar todos os projetos e formações da instituição. Como dito, o “Trilhas urbanas”, projeto criado pelo Aprendiz em 2004, propunha a formação de jovens agentes de cultura (vindos de escolas públicas e particulares do território) através da pesquisa de técnicas artísticas (grafite, mosaico, colagem, lambe-lambe, dentre outras), de intervenções urbanas e de mapeamentos de oportunidades educativas e culturais do território.

Vila Madalena como território cultural: o papel da Cultura no Bairro-escola

Em 2010 uma das casas-sede do Aprendiz foi reconhecida como Ponto de Cultura, e pode-se dizer que a sua atuação no território foi um importante eixo estratégico da consolidação do Bairro-escola na Vila Madalena. Os Pontos de Cultura fazem parte do Cultura Viva, um programa do Ministério da Cultura que fomenta parcerias comunitárias culturais no território. A concepção dos Pontos de Cultura dialoga intimamente com os princípios do Bairro-escola, uma vez que se baseia na gestão compartilhada entre poder público e comunidade local e tem por objetivo articular e catalisar projetos já existentes no território, valorizando saberes locais.

De fato a valorização e “visibilização” de artistas locais e da produção cultural do território foram um salto qualitativo do Bairro-escola na área da Cultura. É importante mencionar que na primeira fase de atuação do Aprendiz ainda não havia um canal de diálogo aberto com as escolas. De fato, no início as atividades comunitárias eram consideradas em oposição ao currículo escolar, ou seja, sem integração entre as oficinas e trilhas educativas e a escola de origem das crianças e adolescentes.

Com o amadurecimento institucional, essa oposição foi sendo gradualmente superada e a nova concepção de trilhas educativas interativa com o currículo (e a gestão) da escola começou a tomar corpo. Quando uma nova abordagem conceitual começou a substituir ou expandir a anterior, surgiram novas práticas, ações e frentes de trabalho (e vice-versa): nessa fase, portanto, o Aprendiz começa a realizar projetos com e nas escolas do bairro.

O Aprendiz de fato inaugurou uma ação mais consistente e dialógica com as escolas do território a partir de 2007, com o projeto denominado “Desafio Max”. Nesse ano, a EE Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, conhecida como Max, recorreu à Associação Cidade Escola Aprendiz para auxiliá-la a evitar um possível fechamento da escola, em virtude de uma queda significativa no número de matrículas, espaços pouco utilizados e equipe docente bastante reduzida.

Esse risco de fechamento tinha alguma relação com dificuldades pedagógicas importantes: nessa época estava em vigor na escola um programa estadual de escolas de tempo integral, o Ensino de Tempo Integral (ETI), que propunha atividades no contraturno. No entanto, as oficinas propostas – ministradas por professores da rede ou fora da rede que se inscreviam para função –  nada mais eram do que a continuação das atividades curriculares. Os alunos entravam na escola às 7h e saiam às 16h e as atividades do contraturno tinham como temas Experiências Matemáticas, Hora da Leitura, Saúde e Qualidade de Vida, Atividades Artísticas e Atividades Esportivas. Apesar de denominadas “oficinas”, as atividades seguiam o mesmo formato disciplinar das aulas do currículo tradicional, funcionando praticamente como reforço escolar. A desmotivação dos alunos impactava na frequência às aulas e colaborava para a evasão, o que punha o funcionamento da escola em risco.

A parceria com o Aprendiz, assim, surgiu a partir do desafio de integrar estas atividades oferecidas aos alunos no período do contraturno ao plano pedagógico da escola, aproximando as oficinas de uma concepção de Educação Integral; estas de fato deveriam trazer inovações metodológicas, não acontecer no formato disciplinar e relacionar-se minimamente com o interesse dos estudantes.  Juntos, Aprendiz e Max deram início a um projeto que atuou por meio de várias frentes, incluindo diagnóstico dos motivos para a queda no número de estudantes, mutirões comunitários de recuperação da escola e articulação de parcerias para a realização das oficinas.

Uma das estratégias mais efetivas para evitar o fechamento da escola foi a revitalização de um espaço escolar que havia sido projetado para abrigar um teatro, mas que de fato funcionava como depósito de arquivo-morto de documentos da Diretoria de Ensino Centro Oeste. Este espaço foi reformado e adaptado e deu dar lugar ao “Teatro da Vila”, espaço cultural que durante o dia era utilizado pela escola como um local de atividades educativas e durante a noite oferecia programação cultural variada aberta ao público – shows, peças de teatro, dança, saraus de poesia.

O “Teatro da Vila” não foi um teatro comum, e o diferencial dessa iniciativa não estava apenas na utilização de um espaço escolar antes ocioso. Ele foi um espaço cultural criado e gerido pelos princípios do Bairro-escola, uma vez que contou com a gestão, ao mesmo tempo, da escola, da Associação de Pais e Mestres, de agentes da comunidade, instituições culturais e moradores, coletivos e artistas locais, formando um Comitê gestor.

Os desdobramentos da criação e gestão do Teatro da Vila chegaram a influenciar a escola em seu projeto político pedagógico, através da criação de oficinas culturais e novos usos do espaço durante as aulas. Os alunos passaram a poder optar em participar de alguma oficina oferecida pelo sistema estadual de educação ou uma oferecida por um parceiro da comunidade. Em 2009 – o primeiro ano de realização destas oficinas em parceria com a comunidade – foram oferecidas oficinas de samba, moda, tear, cinema, iluminação, sonorização, Círculo de Leitura, Oficina de Aprendizagem e de DJ. As oficinas propostas nessa nova fase da escola não eram mais continuações das aulas curriculares (“reforço escolar”), mas atividades educativas que faziam uso do espaço cultural escolar (o Teatro da Vila), aproveitando os saberes culturais locais como oportunidades de aprendizagem.

De fato, pode-se dizer que as ações do Max em parceria com o Aprendiz atingiram seus objetivos: em 2008 a escola passou de 250 para 450 estudantes, e o uso do espaço da escola foi transformado. Em 2008, a ETEC (Escola Técnica Estadual) Guaracy Silveira, localizada em Pinheiros – conveniada ao Centro Paula Souza [36] – passou a ocupar o espaço do Max trazendo seus alunos para o prédio da escola, o que tinha como objetivo combater a ociosidade de salas de aula em alguns períodos, como também aproximar o ensino técnico e o ensino fundamental e médio da escola. A partir da parceria com a ETEC houve aproveitamento completo das vagas.

Nessa fase o Max pôde experimentar uma aproximação do currículo escolar com a cultura local e a participação comunitária. Uma das grandes descobertas dessa experiência foi a de que não apenas o currículo da escola deve se abrir para o bairro, mas que a própria gestão escolar precisava ser repensada, abrindo-se para a comunidade. O projeto Escola do Bairro conquistou essas mudanças com a abertura da escola para uma gestão mais democrática, a mobilização do Grêmio dos estudantes e a participação de membros de toda a comunidade escolar (pais, funcionários, professores, gestores e parceiros) nas decisões da escola.

Em 2010 o “Desafio Max” passou a se denominar “Escola do bairro Vila Madalena” e alcançou a sustentabilidade: o BrasilPrev (Banco do Brasil) começou a apoiar financeiramente o projeto por meio do FUMCAD (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente).

As intervenções e projetos de Bairro-escola em Pinheiros efetivamente deram um salto qualitativo ao se aliarem à escola. O sucesso do projeto “Escola do Bairro Vila Madalena” deixou evidente que não apenas o Bairro-escola precisa ser sustentado por uma rede de parcerias com objetivos comuns, como também nos ensinou que a escola é um parceiro privilegiado na sustentação dessa rede, uma instituição-chave com condições de disparar e catalisar ações integradas e aproximar os diversos setores. O diálogo com o poder público dá amparo legal e político aos projetos e permite que as redes formadas tenham continuidade, recursos e espaços minimamente garantidos.

É justamente em função desse amadurecimento da Cidade Escola Aprendiz na sua abordagem à escola e na tarefa de dar a ela um papel privilegiado no desenho desta estratégia, que fez com que a escola ganhasse centralidade na delimitação territorial do Bairro-escola, ou seja, o epicentro do raio de 2 km que demarca operacionalmente e conceitualmente o microterritório (em nosso caso, a EMEF Olavo Pezzotti). Esse reconhecimento, no entanto só foi possível a partir da experiência: é por meio da própria história da atuação do Aprendiz na Vila Madalena e das características desse território que se consolida a concepção de que a escola tem um papel disparador de ações, projetos e parcerias na concepção de um território educativo.

Mas não bastam o diálogo entre comunidade e escola – e a abertura da escola para a comunidade. É preciso criar e fomentar redes articuladas que sustentem o Bairro-escola. Na Vila Madalena a mobilização e a articulação da rede sociopedagógica foram e têm sido estratégicas para o fortalecimento do Bairro-escola. Hoje, muitas das redes uma vez criadas fomentadas já estão integradas e funcionam independentes das ações ou do incentivo do Aprendiz.

No contexto da formação de redes e articulação comunitária destaca-se o processo de “Autoformação local”. Em setembro de 2008 o SESI Vila Leopoldina e a Supervisão de Cultura da Subprefeitura de Pinheiros demandaram ao Aprendiz uma formação em Articulação Comunitária, a ser ministrada para funcionários do SESI e da Rede Itaim. Esta demanda inicial acabou se transformando e deu lugar a uma formação conjunta, em que todos formavam todos uma “autoformação”. A chamada “Autoformação local Pinheiros” constituiu-se como um grupo de cerca de 60 participantes, oriundos de diferentes bairros da área de abrangência da Subprefeitura Pinheiros, entre sociedade civil, representantes do setor público e privado das áreas da assistência social, saúde, cultura e educação. O objetivo dos encontros era integrar as diferentes organizações de Pinheiros e apresentar linhas de ação, projetos ou potenciais educativos voltados ao desenvolvimento das crianças e adolescentes do território. Atividades de mapeamento e diagnóstico também serviram ao grupo como ferramentas para conhecer melhor o território e planejar caminhos integrados de colaboração. Três grandes eixos temáticos serviram como orientadores dos projetos e ações integradas: Promoção da saúde e proteção à vida; Trabalho e juventude e Cultura Urbana sustentável.

Após dois anos de debate, em fevereiro de 2010 o grupo finalizou uma Carta de Princípios, documento que sintetizou as metas da Autoformação Local para o território explicitando o esforço para promover o Bairro-escola, o desenvolvimento local e a articulação de projetos voltados para as crianças e adolescentes do território.

Um dos frutos dessa articulação foi a criação da Agência Comunitária de Notícias de Pinheiros, espaço virtual de notícias e debate sobre questões locais e aberto à participação de todos interessados pelos potenciais e desafios locais.

A partir de 2011 parte da rede Autoformação Local Pinheiros passou a se mobilizar em torno do FOCA Pinheiros (Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente), espaço público de debate de políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente na área de abrangência da Subprefeitura Pinheiros. Participam do Fórum estudantes, professores, diretores de escolas, representantes do poder público, convidados e demais interessados. Reivindicações e sistematizações dos debates são levados para Conferências Regionais, Municipais, Estaduais, e Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A articulação do FOCA Pinheiros, no início bastante difícil e com pouca participação, só foi possível com os esforços do Aprendiz, com o engajamento do CRAS-Pinheiros (Centro de Referência de Assistência Social) e da Diretoria Regional de Ensino do Butantã. Atualmente o FOCA Pinheiros conta com uma rede bem articulada e inclui a participação de escolas de Pinheiros, abrigos e ONGs, tais como EMEF Olavo Pezzotti, EMEF José Dias da Silveira, EMEF Maria Antonieta D’Alkmin Basto, CRAS Pinheiros, Diretoria Regional de Ensino do Butantã, Supervisão de Saúde Pinheiros/Lapa e representantes de organizações sociais tais como Iniciativa Local, Associação Cidade Escola Aprendiz e Programa Educar. Cada vez mais as pautas refletem os interesses e questões das crianças e adolescentes do território e a participação desse público tem sido mais expressiva. Também se destaca o grau de autonomia do Fórum, que não depende do Aprendiz ou de qualquer instituição em particular para se mobilizar, tendo alcançado um funcionamento sustentável.

A mobilização local é uma conquista do Bairro-escola Vila Madalena e atualmente existem outras iniciativas no território nas quais o Aprendiz ocupa um papel de apoiador ou participante – e não mais, necessariamente, de proponente. No caminho para a sustentabilidade das ações, os moradores, organizações, escolas e lideranças se articulam e se organizam em rede, voltados para os mesmos objetivos, ou seja, a criação e implementação de um projeto educativo de bairro, em que todos se corresponsabilizam pelo desenvolvimento integral das crianças e adolescentes do território.

Um exemplo dessa articulação ocorreu em 2012, quando o escritório de arquitetura “DBB (Davis Brody Bond) – Arquitetura da Convivência” apresentou à comunidade da Vila Madalena um estudo sobre o território. O trabalho destacou as fragilidades e potencialidades da Vila – tais como a diversidade de atores e a vocação para a convivência – e também as possíveis soluções para as condições de trânsito,  circulação e segurança. Esse estudo nasceu a partir de um debate iniciado anos antes, ainda em 2009, ano em que o Aprendiz procurou o escritório para a elaboração de um novo desenho para o Beco da Rua Belmiro Braga [37].

Em seguida, a inciativa se desdobrou em uma série de debates com diversos atores locais (moradores, representantes dos setores públicos, privados e organizações do terceiro setor) que culminou em um Plano de Bairro para a Vila Madalena, chamado “A Vila que queremos”. O Aprendiz participou dos encontros e o acompanhamento do Plano foi amplamente divulgado pelo site da organização voltado integralmente às questões da Vila, o Vilamundo [38].

A articulação comunitária e a formação de uma rede integrada com propósitos comuns têm sido, estratégias-chave para a consolidação do Bairro-escola Vila Madalena. Comitês e fóruns locais em ação, setores da saúde conversando com agentes de educação, trabalho e juventude, oportunidades educativas no território abrindo portas para crianças, adolescentes, adultos e idosos – certamente a Vila Madalena, se ainda não é em sua totalidade um Bairro-escola, já tem os alicerces necessários para a efetivação de um Plano Educativo Local.