4.3.3.Conhecer as condições da rede intersetorial de Educação Integral

O desenvolvimento integral das crianças, adolescentes e jovens não pode ser enfrentado sem um trabalho articulado de atores sociais e institucionais, ou seja, entre as pessoas, instituições e políticas que constituem a vida da comunidade. O diálogo entre os diversos setores permite construir um conjunto de ações integradas que se mostram mais eficientes (Cidade Escola Aprendiz: 2008).

Conforme detalhado no capítulo 1, para que o território se torne educativo é necessário que se forme uma rede intersetorial de educação integral. A constituição da rede viabiliza e dinamiza o trabalho conjunto expresso acima. O caráter recente e a complexidade do tema nos leva a aprofundar um pouco mais  o conceito de “intersetorialidade” e o nosso entendimento da importância do trabalho em “rede no Bairro-escola.”.

Um dos princípios fundamentais da intersetorialidade é o da convergência, assim chamado por Sposati (2006): “Conjunto de impulsos para a ação em determinada situação, seja ela um objeto, um tema, uma necessidade, um território, um grupo, um objetivo, uma perspectiva (…) a intersetorialidade pode trazer mais qualidade por permitir ultrapassar os limites que, a princípio, ocorreriam numa abordagem somente setorial (Sposati, 2006:37)”.

Outro princípio importante é o da gradualidade. Na intersetorialidade, os objetivos não são alcançados de uma vez só, as conquistas se dão gradualmente e as mudanças devem ser vistas sempre em comparação à situação anterior, tornando-as visíveis para a valorização do trabalho coletivo (Ferreira, 2009). A menção de Bronzo e Veiga (2007) sobre a gradualidade na intersetorialidade é elucidativa: “É preciso ter grande perspectiva, mas atuar de forma gradual por etapas ou metas cujos resultados alcançados sempre produzem uma mudança na configuração anterior de dada situação. Poder-se-ia dizer que os resultados colocam a realidade em um novo patamar, mesmo que não seja ainda a perspectiva última desejada. (…) É preciso reconhecer publi­camente a alteração de patamar de uma situação, mesmo que ainda não seja ple­no, para que o resultado da ação se tor­ne visível para a sociedade, para ação do governo, para os agentes institucionais e com isto seja assimilado, não se voltando à estaca zero” (Bronzo e Veiga, 2007: 139).

No que tange a formulação e implementação de políticas públicas, a ação intersetorial é um enfoque recente e desafiador. A trajetória setorial das políticas brasileiras são diferentes entre si, em função de sua história, movimentos sociais que as construíram, o seu marco regulatório, as responsabilidades na esfera governamental e a variedade de interesses que compõe a sua agenda. Como aponta Ferreira: “Essas diferenças configuram o primeiro de­safio quando o tema é intersetorialidade: as políticas públicas setoriais estão estru­turadas para funcionarem isoladamente. Planejamentos, orçamentos, normatizações técnicas, recursos humanos, enfim, todo o modelo de gestão é pensado, via de regra, em função do grau de especialização e pro­fissionalização de cada área” (Ferreira, 2009: 19).

A educação integral, por exemplo, até pouco tempo atrás era vista apenas como uma política setorial sob a responsabilidade dos equipamentos de ensino (experiências das escolas-parque, CIEPS e CAICS).  Nesse sentido, a educação integral é extremamente desafiadora, já que para a sua realização convoca as diversas políticas setoriais a atuarem em conjunto e a promover o desenvolvimento integral das crianças e dos adolescentes. As políticas intersetoriais de educação integral exigem articulação de saberes, tempos e espaços, planejamento, avaliação e o alcance de resultados por meio do enfrentamento de uma realidade extremamente complexa: “Dito de outro modo, ela [educação integral] atualmente nos convida a mirar todas as políticas públicas e, especial­mente as políticas sociais, com um potencial educativo: cultura, esporte, meio ambien­te, assistência social, tecnolo­gia, habitação, saúde, enfim. Apenas como exercício, pode­ríamos pensar que, na perspec­tiva interseto­rial, os cuidados de saúde oferta­dos por progra­mas ou serviços poderiam alçar alcance mais amplo quando articulados às práticas esportivas e estas, por sua vez, poderiam ser intensificadas por estratégias de convivência com as diferenças tão valorizadas no campo da cultura que, ga­nham intensidade pelos conhecimentos vin­dos da leitura praticada nas escolas” (Ferreira, 2009:18).

Do ponto de vista dos direitos das crianças e dos adolescentes as políticas intersetoriais se alinham pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que tem como compromisso a garantida da Proteção Integral destes cidadãos. Conhecidos como os “novos direitos sociais” trazem para a agenda pública uma complexidade desconhecida pelos gestores públicos até pouco tempo atrás. Constitui-se então, a rede integral de proteção à criança e ao adolescente formada por órgãos não governamentais e, por todos os órgãos e serviços governamentais tais como os órgãos executores das políticas públicas (educação, saúde, assistência social, cultura, esporte, etc). os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e as entidades públicas e privadas de prestação de serviços, as instâncias do poder judiciário, como Ministério Público, as Secretarias de Justiça, os Conselhos Tutelares e os órgãos de defesa da cidadania.

A rede de proteção tem como objetivo atuar:  “(…) na ampliação e no aperfeiçoamento das políticas públicas, quer se trate de políticas universais de atendimento às  necessidades básicas da criança e do adolescente, quer se trate de medidas de proteção especial para aqueles que se encontram em situação de risco pessoal e social (Leite et all, 2010: 25).

A necessidade do trabalho em rede surgiu da ampla mobilização dos movimentos sociais no período de pós-Constituição de 1988, época em que a assistência social foi elevada à condição de política pública e regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993) e que os municípios tiveram o desafio de realizar as políticas públicas de proteção social para à infância e à adolescência conforme prevê o ECA (1990).

Para que isso aconteça de forma eficaz e compartilhada, é fundamental integrar todas as instâncias de articulação do poder público e a sociedade civil: os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares e os Fóruns.

É necessário garantir algumas condições para que o trabalho da rede integral de proteção se efetive nos territórios, a saber: a integração das diversas políticas públicas para a promoção dos direitos das crianças e adolescentes; articulação de ações governamentais e não governamentais; introduzir mecanismos de acompanhamento e avaliação das políticas implantadas e a qualidade dos serviços e seus impactos nas famílias; mobilização da sociedade para a participação, intercâmbio e coordenação das ações a serem desenvolvidas; o estabelecimento de ações interdisciplinares, melhorando os fluxos e potencializando o intercambio de experiências e oportunidades (MEC/SECADI; UFRRJ, 2001).

A importância da integração das ações, por meio da rede integral de proteção da criança e adolescente é aqui reiterada: “A integralidade da proteção prevista no ECA supõe que seja assegurado um conjunto de direitos: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. É neces­sário, pois, que as diferentes políticas sociais estejam conectadas em torno de propósitos comuns, uma vez que, na ótica da garantia de direitos, não há hierarquia entre elas. Assim, do ponto de vista jurídico, a proteção integral é o solo que reveste de pertinência a gestão in­tersetorial nos tempos atuais”(Gouveia, 2009: 12).

Em suma, a intersetorialidade é chave para a criação e/ou fortalecimento da rede integral de proteção nos territórios: “(…) a intersetorialidade como estratégia de gestão educativa mais afinada ao desafio de implementar educação integral nos dias de hoje, sobretudo em face do conjunto de leis e iniciativas que pretendem dar conta da proteção integral de crianças e adolescentes” (Idem:1).

A educação integral contribui para ampliar ainda mais a atuação da rede integral de proteção, promovendo a articulação de espaços, tempos, saberes e convocando a participação das crianças e jovens: “A educação integral, no conjunto da prote­ção integral de crianças e adolescentes, exi­ge dimensionar e garantir seus direitos civis, sociais e políticos de acordo com o seu grau de desenvolvimento: ter acesso à informa­ção sobre os serviços públicos disponíveis no seu bairro e na cidade; usufruir a convivência familiar e comunitária; serem ouvidos em espaços formais e informais de participação, como grêmios, conferências lúdicas” (Ferreira, 2009:18).

Entendemos que o conceito de educação integral: “inclui a cidade, seus espaços, recursos e acontecimentos como campo estratégico de aprendizagens e desenvolvimento de crian­ças, adolescentes e de todos os seus habi­tantes. Assim, a centralidade passa a ser o território e as experiências nele vividas. Por isso, os processos educativos precisam re­conhecer as forças presentes nos territórios – serviços públicos, agentes educativos, tro­cas culturais – e o modo como as crianças e os adolescentes se relacionam com elas. É isso que dá vida às redes de aprendizagem” (Nilson, 2009: 7).

A educação integral reconhece a educação como oportunidade para o aprendizado, da convivência democrática, do reconhecimento das diferenças e do exercício da igualdade. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996) prevê a implementação da educação integral destacando o aspecto do “tempo’, por meio das “escolas de tempo integral”. Mais recentemente, com o crescimento da ampliação das experiências em todo o Brasil, há uma mudança no conceito, não restringindo mais a integralidade ao fator temporal, mas também à expansão de espaços e a diversidade de agentes educativos nos processos: “A educação integral de crianças e adolescen­tes com essa perspectiva é uma realidade ain­da frágil, e que vem se fortalecendo por um conjunto de experiências no país, além de um programa federal de fomento à sua imple­mentação e um dispositivo de financiamento previsto no FUNDEB. Este quadro configura a ação intersetorial como o desafio urgente a ser enfrentado em seus diversos âmbitos: na articulação das políticas, na articulação das ações dos equipamentos públicos e na articulação dos diversos atores que podem implicar-se com a educação integral (Nilson, 2009: 7).

A complexidade e o desafio da Educação Integral são imensos, já que a integração das ações por meio das redes intersetoriais não ocorre rapidamente e de forma espontânea: “Ao mesmo tem­po, é importante explicitar a heterogeneida­de de agentes educativos que, atuando em diferentes espaços e com estratégias pedagó­gicas diversas, compõem o conjunto de esfor­ços para o alcance do desenvolvimento inte­gral. A mera presença dessas iniciativas não é suficiente para abarcar todas as dimensões da integralidade educativa (espaços, tempos, sujeitos e conhecimentos). Sabe-se que essa articulação e essa composição de saberes e práticas não são espontâneas e, portanto, demandam o reconhecimento do alcance e dos limites de cada instituição. Ao mesmo tempo, tais iniciativas convocam a atuar em rede, ou seja, em relações mutuamente com­plementares e interdependentes. É preciso conectá-las, reconhecer a complementarida­de e a interdependência (Nilson, 2009: 7).

O trecho a seguir complementa a ideia expressa acima e reitera a importância da constituição de redes intersetoriais de educação integral nos territórios: “(…) a concepção de rede é a que melhor expres­sa os desafios contemporâneos da educação integral, uma vez que a mera presença de iniciativas governamentais ou da sociedade civil não é suficiente para que se alcance re­sultados satisfatórios. É preciso conectá-las, reconhecer a complementaridade e a inter­dependência” (Gouveia, 2009: 10).

É inegável que assistimos cada vez mais a integração das ações dos diversos grupos e setores sociais, com a unificação de pautas e agendas, a ampliação da articulação dos ativos locais e da cidade e o surgimento de estratégias inovadoras de mobilização comunitária. Se, por um lado, percebemos os avanços, por outro, o desafio da intersetorialidade é justamente o da heterogeneidade de atores, a convergência de propósitos, a gradualidade dos resultados,  e a horizontalidade das relações e saberes (Idem:7).

Nesse contexto, o desafio do trabalho em rede é o de estimular a intersetorialidade com uma forma de organização horizontal e democrática: “Como se vê, a intersetorialidade, tal qual o con­ceito de rede, supõe trocas sustentadas na ho­rizontalidade das relações políticas, gerenciais e técnicas. Não se trata de equivalências, mas, sobretudo, do reconhecimento da capacidade que cada política setorial tem a aportar ao pro­pósito comum: garantir educação integral para crianças, adolescentes e jovens” (Ferreira, 2009 19).

Compreendemos as redes intersetoriais de educação integral como instâncias potentes para a ação coletiva que permite ao conjunto de atores sociais de um determinado território compartilhar objetivos, obtendo as interações necessárias com as outras instâncias institucionais e construir vínculos horizontais de interdependência e complementaridade. Como apontam Bronzo e Veiga (2007): […] a ideia de rede tem se tornado uma referente central nas discussões em di­versos campos, para sinalizar intercone­xão, interdependência, a conformação necessária para dar conta da comple­xidade dos processos e da realidade so­cial. Uma ideia inovadora na concepção de redes amplia a perspectiva de redes horizontais e incorpora a ideia de redes multinível (ou de níveis múltiplos), o que remete à interdependência não só exis­tente entre atores no nível local, mas que envolve diversos níveis de governo (Idem).

Portanto, o que dá vida as redes são as dinâmicas que surgem das próprias relações institucionais e interpessoais, a qualidade dessas conexões, a integração de diversos grupos e setores sociais: “Por isso, a educação integral, na perspectiva da intersetorialidade, convoca os gestores e educadores a fazerem uma gestão destas re­lações nos territórios” (Nilson, 2009:23).

Em suma, conforme descrito na seção 1, a rede intersetorial de educação integral articula pessoas, organizações e instituições com o objetivo de compartilhar causas, projetos de modo igualitário, democrático e solidário. Ela instaura uma forma de organização baseada na cooperação e na divisão de responsabilidade e competência e, articulação política, uma aliança estratégica entre os atores sociais (pessoas) e forças (instituições).

Para compreender o elemento-chave deste eixo, as condições da rede intersetorial da educação integral, a pesquisa se propõe a:

I. Conhecer a cobertura da rede de educação integral para crianças e jovens:

– Relação (lista) dos equipamentos que buscam contribuir para o desenvolvimento integral para crianças e jovens presentes no território (ensino, saúde, assistência social, segurança, cultura, esporte e comunicação)

O método previsto é a pesquisa documental na Internet, contato telefônico para uma primeira identificação e, em outro momento, levantamento em campo para completar e confirmar as informações previamente coletadas

II. Conhecer as redes interdisciplinares atuantes no território (gênero, relações etnico-racial, drogas, cultura, direitos humanos, meio-ambiente).

– Relação (lista) de organizações que tenham pautas relacionadas às crianças e jovens;

O método é a pesquisa qualitativa por meio de entrevistas, observação e análise de atas e também pesquisa documental para o levantamento da seguinte informação:

III. Conhecer as lideranças comunitárias que promovem ações para o desenvolvimento integral de crianças e jovens.

– Relação (lista) de lideranças comunitárias que promovem ações para o desenvolvimento integral de crianças e jovens;

O método é a pesquisa qualitativa por meio de entrevistas, observação e análise de atas e também pesquisa documental:

Em relação à metodologia prevista acima, da pesquisa qualitativa realizamos as entrevistas com uma (1) liderança comunitária de cada território e o levantamento documental (pela internet) e em alguns casos realizamos entrevistas com os representantes e/ou responsáveis dos equipamentos da rede. Dessa forma, obtivemos os resultados do item I por meio da lista dos equipamentos voltados para o desenvolvimento integral para crianças e jovens presentes no território (educação, saúde, assistência social e cultura) e o seu georreferenciamento em mapas.

Para a realização dos demais itens (II e III) é necessário prever um tempo maior de pesquisa para o estabelecimento de um vínculo e contato mais próximo com o representante/responsável das redes e com a liderança comunitária para a realização das entrevistas e das observações participantes nas reuniões. Aqui também o período da realização do trabalho de campo impactou no levantamento dos dados previstos. A maioria das redes intersetoriais possuem reuniões mensais ou esporádicas no semestre o que reduz ainda mais o cronograma da pesquisa de campo. Evidentemente, como já foi dito anteriormente, o fator tempo para a implementação do trabalho de campo e a época do ano deve ser ampliado.

É sabido que existem poucas redes interdisciplinares nos territórios e para identifica-las partimos de um levantamento documental pela internet e pelas entrevistas das lideranças locais, no entanto, o que percebemos é que estas fontes não são suficientes e é necessário uma maior imersão no território para conhecer o conjunto das redes existentes, principalmente, aquelas que não possuem visibilidade.  Além disso, também existem diferenças essenciais entre os equipamentos públicos existentes, como por exemplo, a desigualdade no atendimento, a qualidade e cobertura do atendimento que não foram analisados.